sábado, 1 de janeiro de 2011

Noite 33, PT. 01

Thiago observava a chuva pesada batendo contra a janela do carro, com a cabeça apoiada contra o vidro. Hoje seria o dia de sua apresentação, pelo menos foi o que Rhuan tinha lhe dito. Ele finalmente iria se tornar alguém diante da sociedade. Rhuan parecia cochilar ao seu lado. Algo bem estranho para um vampiro fazer, mas já fazia meia hora que ele estava imóvel, com os braços cruzados e o ipod no ouvido. Vivaldi. Um dos favoritos dele. “Do tempo em que a música ainda era bela e as donzelas virgens”, o vampiro sempre brincava. Segundo ele, era um mundo melhor. Thiago não pensava assim. Mas ele não vivera aquela época, talvez estivesse errado. Ou talvez o companheiro apenas se referisse a época em que balas de prata não eram tão fáceis de se encontrar e que caçadores ainda tinham medo do que se escondia nas sombras.

- Nervoso, Thi? – Rhuan interrompeu o silêncio.

- Por estarmos indo até a tal Câmara? Não muito. – Thiago respondeu sem dar muita atenção.

- Você lembra que posso ouvir seus batimentos cardíacos, né, cara? – Rhuan retrucou.

- E você lembra que eu to morto e não tenho batimentos? – Thi rebateu sorrindo.

- E pensar que isso costumava dar certo... – resmungou Rhuan, dando uma pequena pausa – Bem, nervoso ou não é melhor não demonstrar quando chegar. Nem todo mundo é tão legal quanto eu. Você não vai querer deixar aqueles animais farejarem seu medo.

A viagem continuou por mais meia hora até o carro estacionar em frente a um casebre. Uma construção pequena, com fachada antiga, nada que merecesse alguma atenção especial. Paredes brancas, janelas de madeira e uma pequena cerca coberta por plantas trepadeiras. Nada fora do normal, a não ser pelos quase 200 homens trajando desde trapos até caros ternos Armani portando armas que Thi pensava nem serem encontradas no país. Vigias.

Os dois vampiros desceram do carro, acompanhados por Lucy. Thi ainda se atrapalhando ao tentar dar o nó na gravata que o incomodava.

- Não devíamos ter trazido mais gente? – perguntou Thi olhando os demais homens comparados a única guardiã que trouxeram.

- Você acha, cara? – Perguntou Rhuan debochado - Homem de pouca fé. Nossa Lucy é a melhor. Um dia você vai ver.

Thiago correu os olhos novamente pelos demais guardiões. Lucy não era a única mulher, mas parecia ser a única sozinha. O vampiro suspirou e tornou a se dirigir a Rhuan, que a essa altura estava abaixado encarando uma cachorra negra deitada em frente ao portão da casa.

- Há quanto tempo, Lilian. – Falou o vampiro animado – Acho que a princesa está nos esperando, certo?

A cadela olhou desdenhosa para Rhuan, então deu uma longa bocejada antes de se levantar e dar passagem para a casa.

- Você tava mesmo pedindo permissão pro cachorro? – indagou Thiago.

- Cadela. Não cachorro. Ela é sentimental, cara, cuidado com o que fala. – respondeu Rhuan abrindo seu sorriso.

- Certo... Certo. Cadela... – Repetiu Thi mais pra si mesmo que para o companheiro – Ela é um vampiro? Lobisomem? Ou o quê?

- Cara, você não quer saber. – O sorriso de Rhuan se desfez - Só não a irrite, certo?

Os dois entraram, deixando Lucy encostada no carro começando a ler algum de seus livros. A porta se abriu e os dois deram um passo pra dentro da casa, chegando a um gigantesco salão enfeitado por vitrais que quadro a quadro iam mostrando a história de um casal. O primeiro mostrava os dois se encontrando, o segundo o casal de mãos dadas, o terceiro uma grande festa, o quarto os dois juntos observando um bebê adormecido. O teto formava uma abóboda, com a bela pintura de um bosque ocupado por animais. Seis fileiras de bancos de madeira com almofadas vermelhas ladeavam o caminho traçado por um carpete branco até os pés de um grande trono trabalhado em ouro. Lampiões iluminavam o salão, apesar do enorme lustre que pendia do centro da abóboda. Algumas pessoas estavam sentadas nos bancos. Outras conversavam ainda de pé. E Thiago começava a cair de joelhos, sentindo seu corpo ser esmagado por uma força invisível. Suas veias ardiam como se estivessem em chamas, a visão aos poucos ia se nublando e lentamente uma voz parecia ecoar no fundo da cabeça do vampiro. Um eco quase inaudível, que foi aumentando e se tornando mais claro, mais agradável. Até sentir o toque da mão de Rhuan em seu ombro.

- Eu falei pra não deixar nenhuma brecha, não falei? – comentou o vampiro, despreocupado.

- Mas eu não...! O que foi isso?! – perguntou Thiago em um misto de medo e empolgação.

- Ela. – respondeu Rhuan seco.

Thiago girou o corpo buscando quem Rhuan parecia encarar. Avistou três mulheres, mas nenhuma era a que o companheiro se referira. Ela sabia disso. Só não sabia como.

- Não perca seu tempo. Ela ainda não está aqui. Apenas está próxima. Mantenha a concentração. Posso não estar perto na próxima vez.

- Estranho. – comentou Thi.

- O quê? – rebateu Rhuan depressa.

- Não sabia que você ficava ranzinza. – Thiago riu e percebeu pela expressão de Rhuan que o próprio companheiro não tinha percebido a mudança.

- Ninguém gosta de reuniões de negócios. – Comentou Rhuan, voltando ao ar costumeiro com um sorriso no rosto. – Agora tente não ser comido pelos nossos nobres selvagens iguais enquanto eu estiver na reunião, cara.

Rhuan se afastou, enquanto Thiago ficou observando as pessoas naquela sala. Ilustres desconhecidos, habitantes noturnos no mundo. A maioria longe de tudo aquilo que haviam lhe vendido como a imagem de um vampiro: uma figura quase divina, sedutora e que transbordava poder pelos poros. Haviam muitos homens e mulheres que nem mesmo se destacariam em uma multidão, conversando animados sobre os planos de suas casas, relacionamentos políticos com os humanos e alguns outros problemas. No meio disso tudo, o termo “fantasma de luz” chamou sua atenção. Rhuan e ele já haviam se aventurado em algumas buscas do fantasma, porém nenhum delas rendeu grandes frutos. A maioria dos casos eram apenas ataques de licantropos ou caçadores agindo na região. Ele começava a perder as esperanças, mas realmente gostaria de encontrar o tal fantasma.

- Fantasma de luz?

Thiago, inconscientemente, girou e deu um pulo pra trás em velocidade sobre-humana, encontrando Hoshi, vestindo seu terno branco, uma cartola e óculos vermelhos.

- B-boa-noite, Hoshi...san? – comentou Thiago ainda sem entender direito como funcionavam essas coisas de san, kun, ou seja lá o que fosse.

- Só Hoshi. Não estou mais no Japão a tempo suficiente pra esquecer essas trivialidades. – comentou o vampiro japonês varrendo a sala com o olhar – Rhuan não veio?

- Disse que tinha uma reunião e saiu ainda pouco.

- E te deixou sozinho aqui? Ai, ai, ele nunca muda. Guarde isso pra mim – Disse Hoshi entregando sua bengala pra Thiago – Se alguém tentar algo, gire e puxe. Tem uma lâmina de prata abençoada aí. Não encoste nela, ou vai realmente se ferir. Mas é bem eficaz contra nossa espécie.

- Por que eu iria precisar disso? – indagou Thiago girando a bengala e sentindo um estalo, então tornando a fechá-la – Achei que nosso problema fosse com os caçadores.

- Na maioria das vezes, sim. Mas digamos que você está numa situação que não se aplica a maioria.

- Que situação?

- Rhuan ainda não lhe explicou nada? – Hoshi suspirou – Realmente não se pode confiar nele... – Hoshi retirou a cartola e o terno, então os entregou a uma jovem com trajes de serviçal – Também preciso me adiantar para a reunião. Ao seu término, você provavelmente irá descobrir do que estou falando.

Hoshi, então, também se afastou indo em direção a grande porta dupla de madeira pela qual Rhuan havia entrando momentos antes.

4 comentários:

Unknown disse...

*-------* gostei

Seiren ^^ disse...

Tá ficando bom :3

Allan disse...

Belo recomeço espero pela continuação ò.ó

Terts disse...

Vc realmente escreve bem... Mas eu definitivamente detesto o clichê "vampiro"... >D

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