domingo, 6 de março de 2011

Dia 29 - II

A agulha deslizava, colorindo a pele de Laura em um tom avermelhado forte. Movimentos rápidos e precisos traçavam runas mais antigas que a memória na altura da cintura da caçadora. Uma língua desconhecida era quase que cantada pela mulher que manejava a agulha. Não uma agulha elétrica, mais parecia um longo pincel, mas com cerdas afiadas no lugar do pêlo em sua ponta, que iam sendo espetadas rápida e incessantemente nas costas da garota, que apertava os olhos e rangia os dentes segurando a dor. Uma dor necessária, que garantiria a segurança do conhecimento da Fundação que ela possuísse. Todo caçador precisava passar por esse processo. Alguns, como Bart, mais que outros. Cada runa nova, cada marca feita por Abgail, era especial. Uma arte muito antiga, há muito não usada. Exceto por eles.

- Achei que tinha dito pra ir à enfermaria. – A voz de Bart chegou irritada à sala.
- Eu fui... Não tinha... nada. – respondeu Laura ainda debruçada sobre o leito enquanto Abgail terminava o trabalho.
- Quando terminar, me encontre na garagem. Vamos ter que buscar as visitas.
- Visitas? – perguntou Laura.
- Alguns pesquisadores europeus. Querem estudar nossos vampiros. Ver se tem alguma diferença dos deles... Ou qualquer desculpa do tipo pra vir espionar a gente. Ter certeza que ainda podem mandar. – Respondeu Bart enquanto saía.
- Quantas dessas ele tem? – indagou Laura após algum tempo em silêncio.
- Bart? – questionou Abgail – Mais do que posso lembrar. Acho que ele é uma das três pessoas que mais trabalhei em todos os meus anos de vida.
- Você faz parecer que é uma velha. – brincou a garota virando para observar os cabelos cacheados avermelhados de Abgail, que desciam pelos lados do rosto delicado e os grandes olhos verdes. – Você não deve chegar nem aos 25!
- Multiplique isso algumas vezes que você chega perto, criança. – respondeu ela sorrindo. – Conheci Bartolomeu no primeiro dia dele na Fundação. Eu já estava aqui há, pelo menos, uma década.
- Impossíve...Ai!
- Tente não se mexer. Não posso errar o acabamento. – ralhou Abgail – Vampiros não são os únicos seres que conseguem expandir seu tempo de vida, querida.

Alguns minutos depois, Laura voltava a fechar seu Suit e cobri-lo com suas roupas para ir ao encontro de Bart, que a esperava recostado em um Range Rover prateado e com charuto acesso na boca. O longo cabelo cinzento preso pra trás e um terno cobrindo o suit. Terno. Uma coisa que ela nunca imaginou ver Bart vestindo. Assim que se aproximou, ele caminhou até o porta-malas e o abriu, depois puxou uma segunda alavanca, abrindo mais um compartimento, este, guardando um pequeno arsenal de emergência.

- Além destas, temos duas 45 no porta-luvas e espingardas nas portas. O carro é blindado, mas sabemos que não deve durar muito em caso de um ataque. – Explicou ele – Como estão as costas?
- Doloridas. Mas só um pouco. – respondeu a garota deslizando de leve a mão sobre o local recém tatuado – Estamos esperando uma tentativa de interceptação?
- Nós sempre esperamos algo do tipo. Mas o Sol ainda tá no céu e a menos que eles tenham um filtro solar fator 5000, café hiper concentrado pra escapar do transe ou algum anel idiota de seriado de TV, estaremos bem. As armas são pra explodir a cabeça do pessoal que vamos esperar se tentarem alguma gracinha. – ele sorriu.

Black Sabbath embalava os dois durante a viagem de pouco mais de meia hora da saída da sede até o Santos Dumont. Sem sinal de vigias perseguindo o carro. Provavelmente tinham mais o que fazer, claro. Uma visita dos caçadores do velho continente só podia significar que alguma coisa deles acabara de cair no nosso colo. Só restava descobrir o quê.

- Acha que tem haver com aquele navio que interceptamos? – Laura quebrou o silêncio.
- Se não for aquilo, então o problema vem no avião com eles. – respondeu Bart enquanto parava em um sinal fechado.
- Tá, já deu pra notar que você não gosta deles. Por quê?
- Já trabalhei com eles por alguns anos. Pose demais, ação de menos. Parece cachorro pequeno, late até te deixar maluco e quando você chega perto corre pra debaixo da cama. – Debochou Bart – E além disso, odeio sotaque inglês.
- Eu acho o sotaque fofo. – respondeu Laura sorridente enquanto observava a paisagem pela janela.
- Você e toda geração Harry Potter. – desdenhou Bart.
- Quê? É um bom livro! – protestou a garota - Já falei que você devia dar uma chance.
- Você me fez ver os filmes, lembra? Já eram ruins o suficiente pra mim.

Bart deu a volta no aeroporto, estacionando próximo à pista de pouso. Então saiu do carro colocando uma das 45 no coldre interior do terno e acendendo mais um charuto. Laura permaneceu no interior do veículo, com a arma em punho, aguardando a chegada dos convidados. 

Não foi preciso esperar muito, três figuras vestindo longos jalecos brancos se aproximaram do carro, cumprimentando Bart. Um senhor magro e alto, de cabelos grisalhos na lateral da cabeça e barba por fazer; outro, um pouco mais jovem, de cabelos claros, com uma máscara cobrindo o lado esquerdo do rosto; e uma mulher de meia idade, morena, cabelos longos e negros presos em um coque no topo da cabeça.

- Pesquisador agora, Jeoff? – Perguntou Bart sorrindo ao homem com a máscara.
- Abria entranhas de criaturas das trevas e olho o que tem dentro. – sorriu Jeoff de volta – Isso não é um tipo de pesquisa? Mas agora – ele ergueu o braço esquerdo, exibindo a ausência da mão – não estou em condições de fazer isso em campo.
- E seus acompanhantes?
- Oh, é claro. Este – ele estendeu a mão para o homem alto, é Tom Radec. E essa encantadora senhora, Lea Ridgers.
- Posso me apresentar sozinha, Riths. – Interrompeu a mulher – Sou a Dra. Lea Ridgers, chefe da equipe de pesquisa. Viemos na frente para preparar tudo. O resto de nossa equipe deve chegar em algumas horas. Creio que devem ter ordem de nos levar até a sede, sim?

Bart concordou com a cabeça e abriu a porta para os três entrarem no veículo, provocando algumas reclamações sobre como o veículo era inadequado para uma recepção. Fato que Bart simplesmente ignorou dando a partida e levando o trio rumo a Fundação.